quarta-feira, 20 de abril de 2011

Qual é o ponto de conexão entre as pessoas?


Meu   nome  é Andrés.
Tenho  quase 30 anos.
Vivo  pelo  marketing.
Amo minha profissão.


As frases acima fazem parte de uma cena real. Trata-se de uma entrevista de emprego. Como de praxe, digo às informações que acredito poderem impressionar meu entrevistador. Há três meses sem trabalho, tenho fé que essa é a grande chance de reiniciar minha carreira profissional.

Gotas de suor escorrem discretamente pelo meu pescoço, seguro as mãos tremulas na busca de conter meu nervosismo. Através da fala amigável, tento estabelecer um ponto de conexão com o encarregado de RH, afinal, vale de tudo para conquistar um emprego.


A dinâmica acaba. Estico meu olhar para a folha de anotações do entrevistador. Apesar da pouca visibilidade, consigo ler as expressões: “Candidato ansioso” e “falta de autoestima”.

Maldito sejam os encarregados de RH, até acredito em toda a papagaiada de linguagem corporal e das emoções, mas um diagnóstico terapêutico, com raras exceções, demora boas sessões de terapia e conversa para ser assertivo, sendo assim, quem deu aos psicólogos trabalhistas o dom de desvendar as pessoas com apenas uma pré-análise? Ou seria pré-conceito?

Enraivecido, caminho da empresa de Rh em direção à parada de ônibus. Logo observo a aproximação de um transeunte. Com as mãos no bolso e um olhar ameaçador. Aquela figura de rua vem fixa em minha direção. Em instantes, pensamentos fúnebres ecoam em minha mente. Cerro os punhos em uma tentativa de autodefesa. Só me faltava além de desempregado, ser assaltado.

“Há! Há! Há! Seu passarinho está para fora”, diz o passante. Automaticamente, olho minha braguilha escancarada. Com grande timidez, fecho o zíper da calça, agradeço a figura maltrapilha e aproveito a chegada da minha condução para sair logo daquela situação embaraçosa.


No ônibus, sou recepcionado pelo sorriso do motorista com quem habitualmente viajo, dou-lhe um sonoro bom dia e aconchego-me em um assento vazio. Mergulho em pensamentos, tento traçar um paralelo entre as duas experiências recém vividas e perco-me em conceitos sobre a crescente desconfiança humana. Cada vez mais, as pessoas partem do pressuposto de que todos têm mau caráter até que se prove o contrário. A confiança no próximo, no irmão de fé, como dizem os católicos, parece não mais existir. O ponto de conexão entre os seres humanos está há muito abalado.

Soltos em seus objetivos fixos de crescimento profissional, aquisição de bens materiais, fama e diversas outras variantes, as pessoas se tornam cada vez mais iguais e se lançam em uma corrida universal pelo dinheiro. Basta olhar o metrô de São Paulo pela manhã, onde o conglomerado de gente se assemelha a pingüins tentando fugir para o oceano. Fica difícil acreditar que naquele acúmulo populacional há seres pensantes.

É como escutei de um colega outro dia: as pessoas não olham para o lado,não existe mais diálogo entre os indivíduos. Não falo aqui da conversa pura e simples, mas do diálogo que o educador e teórico Paulo Freire define como colocar-se na posição ingênua de quem não é detentor de todo o saber, reconhecendo que ninguém é um homem perdido e que todos possuem uma experiência de vida válida e importante para ser escutada e entendida.

Todos os dias perdemos milhares de oportunidades de crescimento interior, de conhecer personalidades e histórias importantes capazes de mudar o destino de nossas vidas. Tudo, porque temos medo da mudança e nos fechamos em conceitos e objetivos egoístas que não se abrem ao novo. E não falo aqui de novidades tecnológicas, mas de sentimentos e atitudes humanas que tenham significado. Alias, é essa falta de conexão verdadeira entre as pessoas é que parece motivar o sucesso em vão das recentes tecnologias de relacionamento como o Facebook e o Twitter, que na verdade são paliativos inúteis a carência humana, uma vez que acabam por reproduzir virtualmente o narcisismo e a corrida por objetivos individuais de seus membros.

Pelo ritmo do mundo, daqui a pouco veremos a concretude da “Parábola do Grande Inquisitor”, escrita pelo filósofo russo Feodor Dostoiévski. Na obra, o autor relata o retorno de Jesus Cristo a terra, o que resultaria obviamente em toda uma mudança nos rituais católicos. O desdobramento da história é a conseqüente prisão e renegação desse messias por parte da Igreja.  De forma simplificada, podemos dizer que o filósofo trabalha em sua obra a questão dos conceitos que se solidificam em verdades absolutas e tornam seus defensores tão inflexíveis a mudanças que são capazes de matar a verdade pela continuidade do que acreditam.

Assim, vitorioso é o indivíduo que tem coragem de ser protagonista no meio em que vive. E para isso, valoriza as experiências humanas e as confronta com seus conhecimentos teóricos e vivenciais, trabalhando diariamente seus princípios como se estes fossem parte de um experimento científico que se altera a cada nova descoberta.

Não me saí da cabeça a cena de um trabalho que realizei na faculdade. Na ocasião, devido às faltas seqüentes, tive que fazer parte de um grupo considerado como o dos repetentes, nóias, jovens que eram legais de sair em balada, mas ruins de notas.

Como o tempo para executar o projeto era curto e eu não havia assistido as aulas devidas, engoli meu pré-conceito e resolvi inovar. Conversei com todos e optamos por não consultar nenhum livro, decidimos por ir a sala de computador e, colocando-me como interlocutor, usar o talento da escrita objetiva para transcrever as ideias que eles lembravam da aula. Em pouco mais de quatro horas de conversa, percebi como as discussões eram ricas e o trabalho se tornava colaborativo e motivante. O resultado foi um dez retumbante e o comentário de muitos de que o trabalho havia sido feito apenas por mim. Porém, mais importante do que a nota foi a quebra dos meus valores distorcidos e, principalmente, o ganho de amizade que obtive. 


Nunca mais fizemos trabalhos juntos e eles continuaram a tirar notas baixas, porém, sempre que os encontrava, um ar de respeito e confiança acontecia. No meu íntimo sabia que com um ato simples fui capaz de promover mudança e ser mudado através dela.

- Bip! Bip!  O Barulho é da buzina do ônibus. Imediatamente, retorno de minha imaginação, olho em volta e reconheço o ponto em que costumo descer. O motorista olha para mim com seu habitual sorriso e diz: “O moço do “bom dia”, este não é o ponto que você desce?”

2 comentários:

  1. Legal você falar sobre os nossos pré-conceitos. Acho que se você for morar em outro país por um tempo vai trabalhar muito isso. Nós somos tão diferentes de tantas pessoas no mundo. Em princípio tudo parece estranho e às vezes coisa de louco, depois você se adapta e, dependendo do caso, até fica igual...rs. Vou tentar visitar seu blog com frequência. Li tudinho. Vc pensa demais... :P Bjs.

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  2. Andrésãooooo!! Curti muito esse texto! Tinha escrito um post gigante e do nada o navegador fechou. Imagino o que se passa aih, mas sei que o sucesso logo te alcança! Admiro essa mistura de poesia e berros que eh você, não desiste mulheque! bjundaa Vitor

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